quinta-feira, 10 de maio de 2012

diabo na Cruz - Roque Popular

Trazer a música do campo para a cidade (e por vezes também vice-versa), pelo menos em Portugal, sempre foi difícil. A verdade é que, de um ponto de vista citadino, a música tradicional sempre esteve bastante parada no tempo, soando demasiado a arcaica, enquanto que do ponto de vista rural, a música tradicional não tem que mudar pela simples razão de representar aquilo que se tem vindo a perder ou a desvalorizar, o toque tradicional na música de um país muito menos urbanizado. 

Sendo este artigo sobre o 2º álbum dos diabo na Cruz, é impossível ver os dois álbuns como algo separado, de uma perspectiva não musical (os álbuns soam bastante diferentes um do outro mas já lá vamos) mas sim social e cultural. Desde cantautores mais antigos e estabelecidos como Sérgio Godinho, Fausto ou Vitorino que um grupo musical não trazia tão bem a música tradicional para o burburinho da cidade e para o seu caos de música moderna em constante evolução. Há mais grupos e artistas e fazê-lo, mas de uma forma tão acessível e aberta, não diria. Essa ponte foi finalmente reconstruída, fortificada ou acabada pela banda de Jorge Cruz. Ou quem sabe é o início de uma nova ligação da música tradicional com a música moderna. 
Tudo isto já vinha de "Virou!", atenção. O que se nota em Roque Popular é que está menos recheado de hits e mais virado para a construção do som da banda e de um género que está a fazer-se à estrada no mundo da música. O primeiro álbum era virado para a festa, a celebração do roque popular, ironicamente. Este 2º registo mostra uma pequena mudança, um equilíbrio para com o seu antecessor. Um concerto com músicas destes dois álbuns mostra perfeitamente o que a banda é e o que a música portuguesa evoluiu. As guitarras continuam muito presentes e electrizantes de uma forma personificada, o sintetizador consegue resumir um lado muito folclórico do som do grupo e, inesperadamente, o baixo tem um papel que chega a ser fundamental em algumas músicas, pela forma como é tão bem usado e tocado. Talvez um defeito deste álbum seja a presença ténue de B Fachada: faz alguma falta a sua voz e a sua braguesa.  

Mas falemos de hits, já que parece que há fãs e ouvintes insatisfeitos por essa torrente de sons marcantes não ter continuado (dizem eles). "Roque Popular" abre com um tema que não se ama à primeira audição, mas lá pela quinta ou sexta é impossível não ficar preso à sua força, ao seu grito. "Bomba-Canção" é o lado novo dos diabo na Cruz, com sombras de intervenção aliadas a um post-punk que brilha no escuro. "Sete Preces", o primeiro single, é a junção perfeita do antigo e do novo mundo musical português. Tem tanto de roque popular como de rock-pop, passe a expressão. "Chegaram os Santos" é o hino deste disco. Já há muito tempo que não se fazia uma música em português tão agradável, com um pano instrumental tão rico e simples, onde se celebram os tempos de reunião em pleno Verão. Uma celebração contagiante, um tema que é difícil não ouvir várias vezes, com uma alegria que chega a ficar colada a quem ouve. Além destes 3 temas, há também o magnânimo "Memorial dos Impotentes", numa música tri-partida de qualidade, e também o mais calmo mas nunca menos brilhante "Fronteira", o devaneio do país que quer sair e ficar ao mesmo tempo. 
De destacar ainda as letras do disco: continua com a toada de lengalenga que já escutámos no anterior, mensagens desagradáveis passadas em cores alegres e contos vindos directamente do campo, tudo transmitido na óptima dicção de Jorge Cruz. Ouvir diabo na Cruz e ouvir este "Roque Popular" são duas boas formas de conhecer o lado tradicional da música e cultura portuguesa e da sua nova conjugação com o início deste século. Esperamos agora por concertos, a piéce de resistance da banda, colocada ainda em mais alta fasquia depois deste conjunto de 10 lições musicais e donde virão certamente momentos de êxtase por parte dos fãs e conhecedores da banda. 

Duarte Azevedo




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