domingo, 30 de agosto de 2015

10000 RUSSOS - "10000 Russos" (2015, Fuzz Club Records)




Lembro-me como se fosse hoje.
Estávamos no Inverno de 2013 e eu estava a jantar a casa de amigos. 
Bebeu-se copos, ouviu-se stoner e, no final, discuti com mais dois gajos os concertos que tinha curtido no Milhões do ano passado — a edição de 2012, portanto. 
Entretanto os gajos bazaram e, passado um bocado, saímos todos para ir ver um concerto à cave do Au Lait. 
À chegada, cumprimentei alguns amigos e constatei que a dupla que estava em palco eram os gajos com quem eu tinha estado a falar sobre o Milhões. E
ram os 10000 Russos que, na altura, eram constituídos apenas pelo Joca na bateria e micro e pelo Pestana nas cordas. Dois anos e um EP depois, a dupla tornou-se um trio com a adição do André Couto no baixo e edita o seu primeiro LP pela londrina Fuzz Club. Um LP que indivíduo vulgar poderia julgar tratar-se de um tradicional álbum. Um álbum no qual se folheiam músicas e cada uma conta uma história à sua maneira.







































Bem…sim e não. Podemos folhear o LP, sem dúvida. Mas todas as histórias, todas as viagens, todas as personagens e paisagens de “10000 Russos” são páginas do mesmo conto: o alcance do nirvana, aquele que se procura alcançar não através do acto consciente de meditação mas através da audição deste abstracto e complexo conto.
Essa é a pretensão destes 3 xamãs, na infinita sabedoria das suas muitas faces.
E, de facto, é assim que vos aconselhamos a ler este álbum: só assim podemos tentar compreender o sentido de todas as suas partes, só assim poderemos alcançar o derradeiro estado de êxtase espiritual.

Mas além desta viagem espiritual, “10000 Russos” está repleto de double entendres e de ícones. Um deles é "Karl Burns", com que o registo abre, um dos "grandes" da
 história da percussão no rock que já passou por ilustres colectivos como os PIL e os Fall. Esta é, até à data, a única faixa do LP que teve direito a videoclip: provavelmente, o motivo desta homenagem reside na confessa paixão do Joca — o baterista dos Russos — pelos Fall.
A seguinte “USVSUS” continua com a tendência do motorik e do space, talvez querendo metaforizar um hipotético conflito europeu versus norte-americano US (Europa) VS US (United States), tendo ao nosso dispor a munição do incessante motorik e a vantagem na exploração espacial, cortesia da nação russa. Talvez o título não tenha nada a ver com esta ligação mas existe, de facto, uma dimensão que transpõe
a mera condição estática da palavra.
Por outro lado, “Barreiro” é, como todos sabemos, uma terra deste nosso Portugal.
Outrora soava maquinaria e vozes de operários no Barreiro - essa voz foi tragicamente silenciada pela morte da indústria. Outrora também um dos motores da pesca em Portugal, o Barreiro é actualmente um dos pontos de encontro e convergência de várias correntes revitalizados experimentais. Iniciativas como a ocupação de bairros por massas estudantis ou a reabilitação dos espaços têm vindo a renovar a imagem da cidade e a dar-lhe um novo ímpeto com dois particulares destaques em termos musicais: o OUT.FEST e o Barreiro Rocks, duas instituições cada vez mais sonantes no calendário musical nacional e claros culpados pelo Barreiro se tornar um ponto de passagem cada vez mais aliciante neste panorama. 
No entanto, outra voz se levanta: a voz da renovação. Este tema é a expressão dessa mesma voz. 

“Baden Baden Baden” é a 4ª faixa do LP. Baden-Baden — noutros tempos Baden — é uma cidade do oeste da Alemanha. Esteve sobre o controlo de Hadrian na altura do Império Romano, foi demolida durante as Guerras dos 30 anos e dos 9 anos e foi um ponto estratégico para a resistência francesa na Segunda Guerra Mundial. Actualmente, Baden-Baden é conhecida pelas suas águas termais e pelos seus spas - “Baden” é a palavra alemã para “banho/tomar banho” e a origem do nome da cidade deve-se, portanto, às suas águas. As mesmas águas nas quais os xamãs se inspiraram. 





“Stakhanovets/Kalumet” é a pista que encerra este trabalho e também a sua faixa mais longa. O termo stakhanovismo surgiu na antiga URSS pautado como o fenómeno do aumento da produtividade dos trabalhadores do regime por seu próprio livre arbítrio; já 
kalumet (ou calumet) é o cachimbo da paz usado pelas tribos apache para celebrarem os seus acordos e tratados ou até para ser usado no contexto de algumas cerimónias religiosas, como uma forma de comunicar com o Criador, a entidade responsável pela criação do universo.
A junção dos dois termos significará, tão somente, a procura incessante pelo Criador através da incursão em viagens e demandas longas motivadas somente pelo livre arbítrio dos seus participantes...o seu real significado, esse, deverá ser bastante mais subliminar.

À imagem do homónimo EP, o percurso dos 10000 Russos continua a fazer-se ao longo dos pontos de convergência do space-rock e do kraut, com algum noise aqui e ali. Se entrássemos pelo campo da comparação, os 10000 Russos seriam uns Lightning Bolt mais virtuosos na componente kraut/space e menos dedicados ao noise.
Porém, o trio também reúne um conjunto de influências e referências conceptuais que os tornam difíceis de catalogar e de interiorizar para aqueles que não conhecem tanto destes universos sonoros. A esses, aos interessados e aos curiosos, a todos vos recomendamos a incursão nesta viagem.


Eduardo Silva




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