terça-feira, 10 de março de 2015

DE E POR: BRUNO CAMILO - "Turvo" (2014, Ed. Autor)

Depois do projecto A Cisma ter ganho asas para avistar outros horizontes, tinha chegado a hora de os seus elementos seguirem o seu caminho. Bruno Camilo, um dos elementos da Nova União das Artes, continuou a compor e a mostrar mais originais, mesmo enquanto os A Cisma ainda estavam no activo, e apresentou no ano passado "Turvo", o seu disco de estreia em modo mais íntimo em que se esforça por evidenciar todas as imperfeições que o fazem ter um poder de distanciamento suficiente para retocar do ponto de vista de quem ouve as suas empreitadas musicais. Ainda assim, a importância das palavras e a sua ligação contínua com instrumentais polido de toque só justificável pelo imenso talento continuam a morar aqui. E decerto, passam para a memória de quem lhes dedica uns minutos de empatia.
Numa altura em que 2015 começa a dar sinais de vida, não deixa de ser hora de chamar um pouco da atenção suficiente para estas 11 canções que Bruno Camilo nos descodifica de seguida.






Prefácio A Um Deus Menor

Foi a música escolhida para abrir o disco, porque a letra composta apenas por seis versos resume, em parte, o cerne e intenção deste álbum sendo dessa forma uma espécie de porta entreaberta para todo o disco.


Era Engano

Durante algum tempo o verso 'a sorte bateu-me á porta mas era engano' vagueou pelos meus cadernos. Quando por fim surgiu esta sequência de acordes comecei a repetir sempre o mesmo verso e achei que seria a melodia perfeita para transmitir da melhor forma aquilo que o verso significa. A partir desse momento apenas fui escrevendo à volta dessa imagem, daí surgir a descrição de uma casa em ruína.


Olhos Nos Olhos Cegos

Esta foi uma das primeiras músicas que escrevi em português. Chegou a ser tocada em concertos de A Cisma e senti que não faria sentido não estar no meu primeiro álbum. Mais uma vez surge a imagem de uma casa em ruína - foi minha intenção que aparecesse a seguir ao tema 'Era Engano' para que funcionasse quase como uma ponte para a música seguinte.


Dilúvio

Sempre senti interesse em que a minha escrita se aproximasse da linguagem corrente das pessoas. Daí a expressão 'podia jurar que te ouvi', verso que inicia a música. É uma expressão que gosto muito. A composição em piano surgiu em paralelo com o resto da letra, daí a melancólica repetição de acordes quase como se estivesse a embalar as palavras. Esta é a quarta música do álbum e, quando o estava a 'desenhar', esta era a única certeza que tinha no alinhamento pois em conjunto fecham um ciclo.


Espelho Partido

Esta foi a música que gravei toda numa noite. A letra tem um sentido de esperança que apenas encontrei quando a terminei. É também uma das músicas que escrevi há mais tempo. Como aconteceu com 'Olhos Nos Olhos Cegos' não faria sentido, para mim, não estar no meu primeiro disco visto este abordar várias fases da minha composição.


Só Guardo O Que Já Perdi

Este é das minhas poucas composições em que a música antecede a palavra. Andava às voltas com este ritmo e melodia há algum tempo. Lembro-me perfeitamente de estar a ouvir a melodia no caminho para casa e apenas surgir a repetição 'no fundo, no fundo'. A partir daí encontrei o sentido que procurava para esta melodia. Retrata o momento em que se abre o peito a outra pessoa mas com a sensação de que quando o fazemos não é a essa pessoa que está a nossa frente que nos dirigimos mas à imagem que temos dela - daí o facto de estar por vezes na terceira pessoa. No final da música ouve-se uma chamada desligada: esse som foi gravado com um telemóvel encostado ao microfone. 


Nesse Cais

Esta é possivelmente a minha primeira composição em piano. Surgiu em 2011 e foi das minhas primeiras gravações amadoras. Retrata um momento real de familiares próximos. É uma composição fotográfica de tudo o que está por trás dos sorrisos nas fotografias.


Resto de Verso

Esta música teve três versões diferentes. Chegou a estar terminada e masterizada. Passados alguns dias voltei a ouvir a música e não sentia qualquer identificação com a melodia, achei que era banal e não queria sentir essa sensação ao escutar qualquer música de 'Turvo'. Falei com o Pedro Madeira (produtor deste disco) e pedi-lhe para regravar a música novamente. Já tinha uma parte desta nova melodia composta e terminei-a em estúdio. Ao ouvi-la comecei a assobiar uma melodia que mais tarde transpus para a melódica. Adaptei os últimos versos enquanto gravava a voz. E o resultado final agradou-me muito mais.


Prece Esquecida

A ideia para esta letra surgiu numa viagem ao Alentejo. Enquanto passeava numa pequena aldeia próxima do Cercal, conhecei uma senhora já idosa que me contou a sua história. Era viúva há cerca de 30 anos e nunca mais amou outro homem. O seu marido suicidou-se muito novo e tinha uma foto dele a sorrir, emoldurada em cima de uma mesa na sala. Essa imagem marcou-me muito, esse sentimento de amor profundo e trágico. Tive nesse momento a consciência que essa era uma realidade recorrente em locais remotos do Alentejo. A letra demonstra uma conversa imaginada por mim entre os dois. Como uma descrição dos seus silêncios num banco de jardim.


Se A Vires Passar

Mais uma vez quis aproximar-me da linguagem corrente das pessoas. Não me consigo recordar da altura mas recordo-me de ouvir numa conversa numa esplanada a expressão 'diz-lhe antes que morri'. Rapidamente toda essa expressão me inspirou e imaginei todo o diálogo entre dois amigos. A letra revela isso mesmo, uma conversa entre dois homens, amigos, onde todo o caos interior é revelado na indecisão. A melodia de piano surgiu naturalmente, pois queria que acompanhasse o ritmo desse diálogo.




Desenho Invernos

Esta música também chegou a ser tocada ao vivo com A Cisma. Sempre gostei muito desta letra e melodia e fazia todo o sentido que estivesse no meu primeiro álbum. Senti alguma dificuldade em torná-la mais simples, porque a composição com A Cisma era mais complexa e dinâmica. Contudo, ao escutá-la em gravações amadoras, achei interessante ser a música a encerrar o disco não só pelo fim melódico como pelos últimos versos, 'ao menos versos, para eu ter onde ficar'. Esta é a simbologia e intenção de todo o disco. Como está escrito no álbum, 'Turvo é a minha verdade, a minha gratidão'. 




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