sábado, 11 de outubro de 2014

AINDA TENS QUE OUVIR #11: AMAMOS DUVALL - "Amamos Duvall - I & II" (2012, FlorCaveira)




Ao que parece foi (quase) tudo feito em casa, com secções sampladas e muito "corte e costura". Será uma catarse descomprometida de Tiago Cavaco, o artista anteriormente conhecido por Tiago Guillul. Uma experimentação em que a expressão artística se sobrepõe à perfeição. A imprevisibilidade e aparente falta de critério é banalizada ao ponto de nos imergirmos nela. É quase pecaminosa, e agarrou-me a este registo, devo dizê-lo. 

A Motown junta-se a Beastie Boys e começa "Amamos (Robert) Duvall": "Atanásio Contra O Mundo" intriga-nos e põe-nos alerta, com uma bateria que vive num mundo à parte e uma voz que nos confunde e mantém em tensão. Entra então em cena a homónima "Amamos Duvall" para nos acalmar e serenar, num beat seguro e poderoso e uma voz que nos dá o outro lado deste disco, o lado alegre e gozão, menos experimental e mais pop"Sirenata", "Os Rapazes Do Pouco Fazem Fogo" e "Homens De Água (Igrejas Cheias Ao Domingo Parte II)" seguem-lhe o rasto, num registo igualmente pop mas mais corrido, a fazer lembrar Os Pontos Negros. São as três músicas mais conservadoras deste disco 1.





"Rãs Nos Aposentos De Reis" começa a abrir horizontes, fazendo a cama para o resto do álbum com uma balada sentida e contida, "Casa Com Vista Para As Trincheiras" é um grito de revolta no meio do sarcasmo. Um loop de metáforas e ironias apocalípticas, seguindo o conceito de "Atanásio..." mas transformando o groove funk num industrial a la Nine Inch Nails, transmitindo a mesma tensão do início ao fim da música. "O Que É Que Se Passa Contigo?" dá-nos outra vez alegria: se ela é “disciplina em forma de motim”, é discutível. Se esta música é um alegre motim seguido por uma guitarra repetitiva e eficaz... na verdade, não é ela o que mais interessa: nesta altura já não sabemos o que fazer, não pensamos em guitarras, pensamos no que virá a seguir. 
E temos razão porque o que vem a seguir é da exclusiva responsabilidade de um infantil sintetizador e uma música apropriada dos 3 aos 99. É nada mais que uma canção. Daquelas que o Zeca fazia tão bem, daquelas em que dá para sentir África. "Miudagem, Como É Que É?", o exemplo do gozo total, do divertimento que Tiago Cavaco retirou deste trabalho e do liricismo descomprometido e cortante que vai pairando aqui e ali (PS: sempre quis ver os adeptos de Itália no Mundial de 2006 numa música).
"Rocha No Coração" é uma mistura de Rancid com música tradicional portuguesa, acabando com um desabafo reggae...creio que a descrição diz tudo.

"Contigo Sou Sempre Agradecido" é um deleite melódico com um loop feio e irritante de fundo.


A primeira parte de "Amamos Duvall" salda-se, assim, como um CD muito fácil de ouvir, difícil de perceber, muito influenciado mas único. Muito pessoal mas aberto ao ouvinte, eloquente, em que o que é para ser ouvido é dito. Importado mas renovado e facilmente exportável com assinatura própria.





Chegamos a este ponto, isto se seguirmos a obra ordeiramente, agradavelmente embalados no desenrolar das músicas,e das diferentes abordagens deste gigante corte e costura com sabor a novo. 
Com "Estás Casado Com O Estado" e "100 Toneladas" somos mais uma vez presenteados com um rock eficaz, de letras irónicas e cortantes e, qual sapo cozido em água morna, nem sentimos a entrada nesta segunda parte. 
"Faz Filhos" não tem muito que se lhe diga: uma ode à natalidade embutida num groove bem construído, de quem sabe o que faz e que hipnotiza do início ao fim. "A Casa Vem Abaixo" e "Xungaria no Céu" soam bem e estão muito bem produzidas, eléctricas e quadradas, mas cheiram a redundância. Contrariando esse aspecto entram em cena e em contraste a "Orquestra De Ladrões" - um fantasma com identidade bem definida, que paira e deixa a sua marca neste registo – e "Alguém Perdeu O Ferrão", hip-hop assente na excelente interpretação de Tiago Cavaco sonoplastificada com pormenores de ouro. 
A seguinte "Também Queres Cantar" é pequena e muito boa canção, sai da fórmula habitual e é um deleite de licks de guitarra e sons reverberantes que acompanham uma melodia muito bem construída. 
Já quase a terminar, "Qual É O Segredo Por Que As Meninas Gritam De Medo?" e "Esquadrão Túlipa" são provavelmente os temas mais inócuos deste trabalho. Não deixando de ser divertidos de ouvir, chegam a ser cansativos.





"Amamos Duvall" acaba feliz. "Canção Para A Sílvia E Para A Fátima" é feliz e "
A Medida Da Felicidade" é uma boa música e pode ser o resumo deste disco. A mestria pop aliada à celebração da resignação perante um qualquer poder superior. Confesso ser imune à mensagem, ou mesmo à sua interpretação. Gosto, isso sim, da construção musical por trás dela. Das melhores deste segundo CD.

Um trabalho com muito bons apontamentos, sujeito às limitações assentes nas fundações em que foi construído, e que peca por alguma excessiva repetição de conceitos. No entanto sentem-se, entre várias nuances, dois registos principais. Um, descomprometido e jocoso, em que o divertimento vincado na criação passa para o ouvinte, e em que a enorme mestria da composição vem de quem sabe cativar e bem tratar o ouvido. Outro, um registo mais intimista e complexo e, a meu ver, aquele que dá a verdadeira cor a Amamos Duvall.


A apropriação da xungaria é coisa séria, e não é para todos, dizem. 8,5/10


Hugo Hugon




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