quinta-feira, 18 de setembro de 2014

REVERENCE VALADA - DIA DOIS | "Mãe, são sete e meia da manhã e ainda estou a ver concertos. Grande FestiVALADA”

Com os concertos a começarem com um atraso de cerca de uma hora, os portugueses DREAMWEAPON subiam ao palco Rio quando o relógio já marcava as três horas da tarde. Para quem não está a par, estamos aqui perante uma das maiores valias que o tempo se encarregará de trazer até nós; o facto de viverem das cinzas de bandas como The Jesus & Mary Chain, não os impede de fazer com que a sua música consiga navegar por outras marés e, em boa verdade, acaba por ser apenas um ponto de partida para a exploração das cordas e para a edificação de muralhas de distorção que nos atormentam a alma. Apesar de ainda só terem editado um EP, não temos a mínima dúvida que aqui está um caso muito sério para o presente e para o futuro do que por cá se faz: é esperar pela estreia nos discos em formato longa-duração. (8/10)


Também bastante positivo foi o concerto dos MUGSTAR, banda inglesa que abraça a onda de krautrock que nasceu em contingente alemão entre o final da década de 60 e o início da de 70. Repletos de sintetizadores – elemento-chave que ladeia grande parte das suas canções e que confere o que na altura do despertar alemão era o agente futurístico que impingiam nas suas sonoridades -, a música dos Mugstar foi propensa a viagens pelo espaço cósmico do space-rock; e muito basicamente, foram um dos nomes do cartaz que ensinaram a outros nomes presentes no cartaz que o space-rock merece uma estrutura mais complexa e menos repleta de fuzz e distorção ou de sintetizadores a zumbir ininterruptamente. (7,5/10)


Seguiam-se os portugueses ASIMOV e a sua nave espacial que, para o género a que pisca o olho, segue uma composição invulgar: será legítimo defender que estes adoptam o space-rock para lhe chamarem rock e vice-versa. Celestiais, sempre a libertar camadas intensas de fuzz e de batidas bem salientes e pesadas, ou mais contidos, com uma guitarra em transição e a acatar papéis mais abrasivos, os Asimov mostraram durante o seu concerto que jamais desprezarão as suas principais raízes: as raízes tradicionais do rock, o amor e a sapiência que se transborda a partir da guitarra e aqueles cabelos longos que não enganam ninguém. Só por isso merecem o nosso apreço, mas o seu concerto também foi, claramente, um acréscimo que se vincou na nossa cabeça de que eles sabem o que fazem. (7/10)


Os norte-americanos BARDO POND são uma banda mítica e isso é quase uma verdade irrefutável. O seu concerto foi lindo e isso tem de ser uma verdade irrefutável. Mas o seu concerto foi mais pequeno que o pénis de um sul-coreano e isso é uma verdade inquestionável (porque está cientificamente comprovado que assim é). Durante as três canções que foram tocadas no concerto houve espaço para que quase tudo se complanasse no mesmo espaço e no mesmo tempo: da música propriamente dita, tocaram-nos canções diversificadas entre si onde se conseguiram articular de uma maneira que mesmo quando estão a ser ruidosos, os norte-americanos conseguem ser detentores de uma das mais belas sonoridades que já ouvimos. Houve tempo para se enfatizar a voz ao invés de distorcê-la como acontecia nos tempos embrionários de Amanita, 1996, - de onde tocaram uma canção durante o concerto. Houve tempo para uma pequena bronca entre a belíssima vocalista e o seu guitarrista: «FUCK ME», dizia ela. Demorei mais tempo a escrever isto do que o tempo de duração do concerto: foi uma pena, foi uma desilusão, foi um choro tremendo. Ambos mereciam mais: eles e o próprio público; soberbo enquanto durou, no fim a nossa tesão de nada serviu – empataram-nos aquela que estava a ser a melhor foda do festival. Queríamos mais, queríamos mais. (8,5/10)


Voltámos à carga em A PLACE TO BURY STRANGERS, banda norte-americana responsável pela abertura do palco maior do festival. Aguardados com alguma ansiedade por quem foi até à Valada, os norte-americanos foram objectivos e claros no seu propósito: estavam ali para incomodar, no bom sentido, quem os via. Assim foi; possivelmente menos barulhentos do que em estúdio – e o facto de o som do palco Reverence naquele dia poder estar mais alto também se salientou nos concertos posteriores -, trespassaram a sua agressividade para outros lugares: em palco há robustez e preenchimento que, conectados, conduzem a performance para uma cena de porrada. E basicamente foi isso que aconteceu – as guitarras ganhavam asas e voavam constantemente pela mão de quem as dedilhava (e em boa verdade, nós também acabámos por voar juntamente com elas). As muralhas de distorção que iam constantemente criando saltavam ao tímpano mais próximo e iam-nos derretendo os ouvidos. O que acontecia em palco exteriorizava-se: a desordem acompanhou-nos durante todo o concerto. No fim ficámos apenas a achar que mereciam mais tempo (nós e o público). (8/10)


Os PSYCHIC TV são uma das bandas mais idiossincráticas dentro do panorama da música experimental dos anos 80 e em palco podem não ter mostrado o seu lado mais baseado na experimentação – a vertente industrial, por exemplo, que era o habitat preferido deles, foi esquecida -, mas acabaram por demonstrar porque é que foram uma banda essencial daquela época, rubricando um concerto que, à falta de mais e melhores palavras, foi bonito. Melódicos e com uma presença em palco fulminante por parte de Neil Megson/Genesis P-Orridge (são a mesma pessoa) – que, de resto, mostrou-se com uma voz invejável -, arranjaram tempo para tocar “Interstellar Overdrive”, dos Pink Floyd. Uma surpresa que não foi assim tão surpresa para quem conhecia, mas que possivelmente causou algum impacto em quem não estava a par da singularidade do projecto comandado por Orridge. (8/10)


De seguida, talvez o nome mais esperado de todo o festival: os HAWKWIND são conterrâneos e contemporâneos de bandas como Led Zeppelin ou Black Sabbath. O seu primeiro disco remonta-nos a 1970 e o facto de vermos senhores que tinham idade para ser nossos avôs em palco a dar um recital de psicadelismo como muitas bandas que passaram no Reverence Valada não tiveram a capacidade para fazer dá que pensar. Numa primeira parte mais contidos, fizeram com que o concerto fosse crescendo gradualmente – e cresceu tanto que acabou por se desenlaçar no seu próprio clímax. Na sua estreia em terras lusas (muito possivelmente terá também sido a única passagem dos ingleses por cá), os Hawkwind demonstraram o porquê da sua grandeza: foram dos primeiros nomes a mesclar os sintetizadores nos riffs vertiginosos das guitarras (que naquele dia se mostraram menos intensos do que há 40 anos atrás – é a lei da Mãe Natureza) e passadas quatro décadas ainda aqui existiu mais intensidade e complexidade do que o genérico clima psicadélico em que vivemos. Professores de muitos, fixaram a ideia de que quem sabe nunca esquece; caso para dizer: grandes velhos. Despediram-se com projecções de folhas de cannabis e com “Hassan I Sahba”. (8/10)

Pelo meu relógio eram horas de ver os MÃO MORTA; Possivelmente uma das bandas mais importantes da história da música portuguesa, Adolfo Luxúria Canibal & Companhia chegaram ao Palco Reverence e tinham à sua frente uma das maiores enchentes do festival (possivelmente, a rivalizar com essa enchente só mesmo Electric Wizard e os anteriores Hawkwind). Era merecido, façamos-lhes a justiça devida. A partir do momento em que chegaram, a missão era nítida: trazer ali um dos melhores concertos do festival. Missão cumprida; com uma setlist a incidir um pouco por toda a discografia dos bracarenses, edificou-se um concerto memorável, onde o perfil vocal singular de Adolfo foi fielmente conservado. Entre as canções tocadas, destacam-se “E Se Depois”, “Barcelona”, canções do novíssimo Pelo Meu Relógio São Horas de Matar e “Até Cair”, onde Adolfo, um dos maiores poetas não poetas que Portugal viu nascer, chegou mesmo a simular uma queda – e um dos pontos fortes do concerto, como sempre, foi a presença de Adolfo (é um Deus e basta). Foram embora sob fortes aplausos cravando-nos ainda mais na cabeça de que a história musical nacional é dependente deles, dizendo que «pelos seus relógios eram horas de matar». Já deram o mote, que se faça a revolução. (9/10)


Passámos do vinho para a água quando chegou a vez dos BLACK ANGELS: não temos nada contra reviver tempos idos, mas temos contra clichés e contra pessoas que andam perdidas no tempo. Ouvir Black Angels sem saber quem são tem a sua piada – som alegre q.b., ritmo mexido, uma tonalidade muito com o espírito sessentista ou setentista norte-americano à mistura e o cliché total de que se revestia o surf e o psych rock. Certo, agora vou ver quem são: uma ajuda do Wikipedia disse-me que são uma banda norte-americana formada em 2004. Acho que agora percebem o porquê de quase ter adormecido durante o concerto (depois vinham as jams e cortavam sempre o flow). Sabe bem ouvir sem saber o que é, mas há um problema comum a muitos outros nomes que têm investido no revivalismo desta espécie: o passado fala mais alto. (4/10)


O cansaço já nos cercava – dois dias vividos intensamente e pouco mais de 8 horas dormidas no seu conjunto já nos ia limitando as capacidades – e por isso só voltámos para os esperados MOON DUO, que deram um concerto ameno: pouco emotivos, possivelmente porque no dia anterior um dos seus membros tinha ido parar ao hospital, e com pouca garra, as guitarras assumiram, como expectável, o principal alicerce da base da construção das suas canções; porém, o facto de as terem estendido em demasia levou-nos quase a que, em quase todo o concerto, prestássemos mais atenção às próprias projecções do que à própria música. Caso para dizer que uma imagem consegue ser mais psicadélica do que mil palavras. (5/10)


Saímos para THE OSCILLATION a meio de Moon Duo e saímos bem: no Palco Rio estava-se a presenciar um senhor concerto de uns britânicos que não gostam de estabelecer barreiras ao longo das suas músicas. Heterogéneos, os The Oscillation conseguiram, de novo, trazer a luz que até ao concerto de Black Angels parecia estar sempre presente: ora com guitarras distorcidas em primeiro plano ora com o baixo a assumir os contornos da pintura que se ia esboçando, foram crescendo a cada canção perante o pouco público presente (só mais tarde, depois do concerto de Moon Duo ter terminado, é que foi chegando mais público ao Palco Rio). É nome para se estar atento. (7,5/10)


De seguida, a festa era portuguesa: primeiro os EQUATIONS, depois Jibóia. Os primeiros, para mim, foram a maior surpresa do festival. Mais concisos e menos exploratórios do que o seu primeiro disco longa-duração nos mostrara, os lisboetas vão-nos mostrando que estão menos preocupados com as equações e muito mais preocupados com um aprumo na estética sonora para que esta soe mais concisa sem que para isso tenham de abandonar a experimentação que sempre acompanhou as suas canções. Hoje em dia, contrariamente a outrora, já não se berra de maneira estridente. Hoje em dia as guitarras estão menos rápidas sem que para isso se tivessem de desertar dos prismas da math-rock. Hoje em dia existe um sintetizador/teclado que nos remete para uma psicadélica foleira quando o som que dali se brota está muitíssimo longe disso. Os Equations de hoje estão completamente diferentes de os de 2012 e nem precisaram de muito para que isso acontecesse, apenas de engenho e maturação. Claramente rubricaram um dos melhores do Reverence e, a adivinhar pelo que vimos, vem daí um dos discos do ano. (8,5/10)


Assim de cabeça penso que o relógio marcava as impensáveis sete da manhã quando Óscar Silva, aka JIBÓIA, subiu ao Palco Sabotage para o encerramento do Reverence Valada. Loops contínuos a florirem a partir do seu teclado, mãos na guitarra e pintava-se a Arábia na Valada. A música de Jibóia é quente e tem na passagem para o palco um trunfo tremendo: aliás, é lá que se vê o que é e quem é Jibóia. Não nos faz serpentear, mas pouco falta – que o diga o senhor da primeira fila que fazia um comboio humano imaginário sozinho. Há demasiado para dizer sobre este concerto, mas vou-me limitar dizendo que a partir do momento em que se despertou o primeiro loop este foi o melhor momento de todo o Reverence Valada. Onde é que já se viu um festival terminar às 7:30 da manhã com um concerto que, comparativamente com todos os outros, teve pouca gente mas onde todos os intervenientes estavam a dançar como se fosse o último dia da sua vida? É nestes casos que também se revela a grandiosidade das coisas – em 24 Hour Party People diz-se constantemente que um dos primeiros concertos dos Sex Pistols foi histórico e só estavam lá cerca de dez pessoas. Em Jibóia, o número foi um pouco superior mas todos os seus contornos levam-nos a querer apelidá-lo da mesma maneira: histórico. E todo o mérito foi dele – é preciso saber-se para não deixar aborrecer quem não dormiu nos dois dias anteriores e quem tinha a “cama” ao seu lado. Jibóia manteve-nos com ele até ao fim e, bolas, eram sete e meia da manhã. (9/10)

Texto por Emanuel Graça


Fotografia por José Vidal




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