Com os
concertos a começarem com um atraso de cerca de uma hora, os portugueses DREAMWEAPON subiam ao palco Rio quando o relógio já marcava as três
horas da tarde. Para quem não está a par, estamos aqui perante uma das maiores
valias que o tempo se encarregará de trazer até nós; o facto de viverem das
cinzas de bandas como The Jesus & Mary Chain, não os impede de fazer com
que a sua música consiga navegar por outras marés e, em boa verdade, acaba por
ser apenas um ponto de partida para a exploração das cordas e para a edificação
de muralhas de distorção que nos atormentam a alma. Apesar de ainda só terem
editado um EP, não temos a mínima dúvida que aqui está um caso muito sério para
o presente e para o futuro do que por cá se faz: é esperar pela estreia nos
discos em formato longa-duração. (8/10)
Também
bastante positivo foi o concerto dos MUGSTAR,
banda inglesa que abraça a onda de krautrock
que nasceu em contingente alemão entre o final da década de 60 e o início
da de 70. Repletos de sintetizadores – elemento-chave que ladeia grande parte
das suas canções e que confere o que na altura do despertar alemão era o agente
futurístico que impingiam nas suas sonoridades -, a música dos Mugstar foi
propensa a viagens pelo espaço cósmico do space-rock;
e muito basicamente, foram um dos nomes do cartaz que ensinaram a outros nomes
presentes no cartaz que o space-rock
merece uma estrutura mais complexa e menos repleta de fuzz e distorção ou de sintetizadores a zumbir ininterruptamente. (7,5/10)
Seguiam-se
os portugueses ASIMOV e a sua nave
espacial que, para o género a que pisca o olho, segue uma composição invulgar:
será legítimo defender que estes adoptam o space-rock
para lhe chamarem rock e vice-versa. Celestiais, sempre a libertar camadas
intensas de fuzz e de batidas bem
salientes e pesadas, ou mais contidos, com uma guitarra em transição e a acatar
papéis mais abrasivos, os Asimov mostraram durante o seu concerto que jamais
desprezarão as suas principais raízes: as raízes tradicionais do rock, o amor e
a sapiência que se transborda a partir da guitarra e aqueles cabelos longos que
não enganam ninguém. Só por isso merecem o nosso apreço, mas o seu concerto
também foi, claramente, um acréscimo que se vincou na nossa cabeça de que eles
sabem o que fazem. (7/10)
Os
norte-americanos BARDO POND são uma
banda mítica e isso é quase uma verdade irrefutável. O seu concerto foi lindo e
isso tem de ser uma verdade irrefutável. Mas o seu concerto foi mais pequeno
que o pénis de um sul-coreano e isso é uma verdade inquestionável (porque está
cientificamente comprovado que assim é). Durante as três canções que foram
tocadas no concerto houve espaço para que quase tudo se complanasse no mesmo
espaço e no mesmo tempo: da música propriamente dita, tocaram-nos canções
diversificadas entre si onde se conseguiram articular de uma maneira que mesmo
quando estão a ser ruidosos, os norte-americanos conseguem ser detentores de
uma das mais belas sonoridades que já ouvimos. Houve tempo para se enfatizar a
voz ao invés de distorcê-la como acontecia nos tempos embrionários de Amanita, 1996, - de onde tocaram uma
canção durante o concerto. Houve tempo para uma pequena bronca entre a
belíssima vocalista e o seu guitarrista: «FUCK
ME», dizia ela. Demorei mais tempo a escrever isto do que o tempo de
duração do concerto: foi uma pena, foi uma desilusão, foi um choro tremendo.
Ambos mereciam mais: eles e o próprio público; soberbo enquanto durou, no fim a
nossa tesão de nada serviu – empataram-nos aquela que estava a ser a melhor foda
do festival. Queríamos mais, queríamos mais. (8,5/10)
Voltámos à
carga em A PLACE TO BURY STRANGERS,
banda norte-americana responsável pela abertura do palco maior do festival.
Aguardados com alguma ansiedade por quem foi até à Valada, os norte-americanos
foram objectivos e claros no seu propósito: estavam ali para incomodar, no bom
sentido, quem os via. Assim foi; possivelmente menos barulhentos do que em
estúdio – e o facto de o som do palco Reverence
naquele dia poder estar mais alto também se salientou nos concertos posteriores
-, trespassaram a sua agressividade para outros lugares: em palco há robustez e
preenchimento que, conectados, conduzem a performance para uma cena de porrada.
E basicamente foi isso que aconteceu – as guitarras ganhavam asas e voavam
constantemente pela mão de quem as dedilhava (e em boa verdade, nós também
acabámos por voar juntamente com elas). As muralhas de distorção que iam
constantemente criando saltavam ao tímpano mais próximo e iam-nos derretendo os
ouvidos. O que acontecia em palco exteriorizava-se: a desordem acompanhou-nos
durante todo o concerto. No fim ficámos apenas a achar que mereciam mais tempo
(nós e o público). (8/10)
Os PSYCHIC TV são uma das bandas mais idiossincráticas
dentro do panorama da música experimental dos anos 80 e em palco podem não ter
mostrado o seu lado mais baseado na experimentação – a vertente industrial, por exemplo, que era o
habitat preferido deles, foi esquecida -, mas acabaram por demonstrar porque é
que foram uma banda essencial daquela época, rubricando um concerto que, à
falta de mais e melhores palavras, foi bonito. Melódicos e com uma presença em
palco fulminante por parte de Neil Megson/Genesis P-Orridge (são a mesma
pessoa) – que, de resto, mostrou-se com uma voz invejável -, arranjaram tempo
para tocar “Interstellar Overdrive”, dos Pink Floyd. Uma surpresa que não foi
assim tão surpresa para quem conhecia, mas que possivelmente causou algum
impacto em quem não estava a par da singularidade do projecto comandado por
Orridge. (8/10)
De seguida,
talvez o nome mais esperado de todo o festival: os HAWKWIND são conterrâneos e contemporâneos de bandas como Led
Zeppelin ou Black Sabbath. O seu primeiro disco remonta-nos a 1970 e o facto de
vermos senhores que tinham idade para ser nossos avôs em palco a dar um recital
de psicadelismo como muitas bandas que passaram no Reverence Valada não tiveram a capacidade para fazer dá que pensar.
Numa primeira parte mais contidos, fizeram com que o concerto fosse crescendo
gradualmente – e cresceu tanto que acabou por se desenlaçar no seu próprio
clímax. Na sua estreia em terras lusas (muito possivelmente terá também sido a
única passagem dos ingleses por cá), os Hawkwind demonstraram o porquê da sua
grandeza: foram dos primeiros nomes a mesclar os sintetizadores nos riffs
vertiginosos das guitarras (que naquele dia se mostraram menos intensos do que
há 40 anos atrás – é a lei da Mãe Natureza) e passadas quatro décadas ainda
aqui existiu mais intensidade e complexidade do que o genérico clima
psicadélico em que vivemos. Professores de muitos, fixaram a ideia de que quem
sabe nunca esquece; caso para dizer: grandes velhos. Despediram-se com projecções
de folhas de cannabis e com “Hassan I Sahba”. (8/10)
Pelo meu relógio eram horas de ver os MÃO
MORTA; Possivelmente uma das bandas mais importantes da história da música
portuguesa, Adolfo Luxúria Canibal & Companhia chegaram ao Palco Reverence e tinham à sua frente
uma das maiores enchentes do festival (possivelmente, a rivalizar com essa
enchente só mesmo Electric Wizard e os anteriores Hawkwind). Era merecido,
façamos-lhes a justiça devida. A partir do momento em que chegaram, a missão
era nítida: trazer ali um dos melhores concertos do festival. Missão cumprida;
com uma setlist a incidir um pouco por toda a discografia dos bracarenses,
edificou-se um concerto memorável, onde o perfil vocal singular de Adolfo foi
fielmente conservado. Entre as canções tocadas, destacam-se “E Se Depois”, “Barcelona”,
canções do novíssimo Pelo Meu Relógio São
Horas de Matar e “Até Cair”, onde Adolfo, um dos maiores poetas não poetas
que Portugal viu nascer, chegou mesmo a simular uma queda – e um dos pontos
fortes do concerto, como sempre, foi a presença de Adolfo (é um Deus e basta).
Foram embora sob fortes aplausos cravando-nos ainda mais na cabeça de que a
história musical nacional é dependente deles, dizendo que «pelos seus relógios eram
horas de matar». Já deram o mote, que se faça a revolução. (9/10)
Passámos do
vinho para a água quando chegou a vez dos BLACK
ANGELS: não temos nada contra reviver tempos idos, mas temos contra clichés
e contra pessoas que andam perdidas no tempo. Ouvir Black Angels sem saber quem
são tem a sua piada – som alegre q.b., ritmo mexido, uma tonalidade muito com o
espírito sessentista ou setentista norte-americano à mistura e o cliché total
de que se revestia o surf e o psych rock. Certo, agora vou ver quem
são: uma ajuda do Wikipedia disse-me que são uma banda norte-americana formada
em 2004. Acho que agora percebem o porquê de quase ter adormecido durante o
concerto (depois vinham as jams e cortavam sempre o flow). Sabe bem ouvir sem
saber o que é, mas há um problema comum a muitos outros nomes que têm investido
no revivalismo desta espécie: o passado fala mais alto. (4/10)
O cansaço já
nos cercava – dois dias vividos intensamente e pouco mais de 8 horas dormidas
no seu conjunto já nos ia limitando as capacidades – e por isso só voltámos
para os esperados MOON DUO, que
deram um concerto ameno: pouco emotivos, possivelmente porque no dia anterior
um dos seus membros tinha ido parar ao hospital, e com pouca garra, as
guitarras assumiram, como expectável, o principal alicerce da base da
construção das suas canções; porém, o facto de as terem estendido em demasia
levou-nos quase a que, em quase todo o concerto, prestássemos mais atenção às
próprias projecções do que à própria música. Caso para dizer que uma imagem consegue ser mais psicadélica do
que mil palavras. (5/10)
Saímos para THE OSCILLATION a meio de Moon Duo e
saímos bem: no Palco Rio estava-se a
presenciar um senhor concerto de uns britânicos que não gostam de estabelecer
barreiras ao longo das suas músicas. Heterogéneos, os The Oscillation
conseguiram, de novo, trazer a luz que até ao concerto de Black Angels parecia
estar sempre presente: ora com guitarras distorcidas em primeiro plano ora com
o baixo a assumir os contornos da pintura que se ia esboçando, foram crescendo
a cada canção perante o pouco público presente (só mais tarde, depois do
concerto de Moon Duo ter terminado, é que foi chegando mais público ao Palco Rio). É nome para se estar atento.
(7,5/10)
De seguida,
a festa era portuguesa: primeiro os EQUATIONS,
depois Jibóia. Os primeiros, para mim, foram a maior surpresa do festival. Mais
concisos e menos exploratórios do que o seu primeiro disco longa-duração nos
mostrara, os lisboetas vão-nos mostrando que estão menos preocupados com as
equações e muito mais preocupados com um aprumo na estética sonora para que
esta soe mais concisa sem que para isso tenham de abandonar a experimentação que
sempre acompanhou as suas canções. Hoje em dia, contrariamente a outrora, já
não se berra de maneira estridente. Hoje em dia as guitarras estão menos rápidas
sem que para isso se tivessem de desertar dos prismas da math-rock. Hoje em dia existe um sintetizador/teclado que nos remete para
uma psicadélica foleira quando o som que dali se brota está muitíssimo longe disso. Os Equations
de hoje estão completamente diferentes de os de 2012 e nem precisaram de muito
para que isso acontecesse, apenas de engenho e maturação. Claramente rubricaram
um dos melhores do Reverence e, a
adivinhar pelo que vimos, vem daí um dos discos do ano. (8,5/10)
Assim de
cabeça penso que o relógio marcava as impensáveis sete da manhã quando Óscar
Silva, aka JIBÓIA, subiu ao Palco Sabotage para o encerramento do Reverence Valada. Loops contínuos a
florirem a partir do seu teclado, mãos na guitarra e pintava-se a Arábia na
Valada. A música de Jibóia é quente e tem na passagem para o palco um trunfo
tremendo: aliás, é lá que se vê o que é e quem é Jibóia. Não nos faz serpentear,
mas pouco falta – que o diga o senhor da primeira fila que fazia um comboio
humano imaginário sozinho. Há demasiado para dizer sobre este concerto, mas
vou-me limitar dizendo que a partir do momento em que se despertou o primeiro
loop este foi o melhor momento de todo o Reverence
Valada. Onde é que já se viu um festival terminar às 7:30 da manhã com um
concerto que, comparativamente com todos os outros, teve pouca gente mas onde
todos os intervenientes estavam a dançar como se fosse o último dia da sua
vida? É nestes casos que também se revela a grandiosidade das coisas – em 24 Hour Party People diz-se
constantemente que um dos primeiros concertos dos Sex Pistols foi histórico e
só estavam lá cerca de dez pessoas. Em Jibóia, o número foi um pouco superior
mas todos os seus contornos levam-nos a querer apelidá-lo da mesma maneira:
histórico. E todo o mérito foi dele – é preciso saber-se para não deixar
aborrecer quem não dormiu nos dois dias anteriores e quem tinha a “cama” ao seu
lado. Jibóia manteve-nos com ele até ao fim e, bolas, eram sete e meia da
manhã. (9/10)
Texto por Emanuel Graça
Fotografia por José
Vidal
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