sexta-feira, 29 de agosto de 2014

OCTA PUSH - Entrevista

Com todos os elogios/recomendações feitos à sua música e à estética adoptada e depois de "Ten Cities", uma residência artística promovida pelo Goethe Institute no Quénia em que estiveram acompanhados de Pedro Coquenão aka Batida, os Octa Push, os irmãos Bruno Mushug e Leo Dizzycutter, continuam neste Verão de concertos a mostrar "Oito", o seu álbum de estreia.
Pela primeira vez, conseguiram reunir em palco Catarina Moreno, a voz dos Molo, e Alex Klimovitsky, a voz dos Youthless, dois dos convidados de um dos "discos-sensação" da música de dança do ano passado a que se juntou também Ary, dos Blasted Mechanism.
Foi no FUSING Culture Experience, e foi lá que ao segundo dia do festival apanhámos o duo para dois dedos de conversa antes do seu concerto a fechar o dia. E vai assim.






BandCom (BC): Em todas as entrevistas que li sobre vocês, todos os jornalistas fazem-vos uma pergunta sobre o facto de vocês serem irmãos. Acham que se não o fossem, fariam o mesmo tipo de música? 

Ambos: Essa é boa... essa é difícil... logo à primeira... entraste de pés juntos.

Leo: Depende de várias variáveis. Imagina que éramos dois produtores e que alguém decidisse “olha, vocês juntem-se para fazer cenas”, um pouco naquela onda das boys bands. Se fosse uma onda de não nos conhecermos e isso, se calhar não. Eu hoje tenho confiança de chegar ali ao estúdio, fazer uma cena que pode estar uma grande merda, soar bueda estranho, é na boa... se fosse outra pessoa, se calhar eu agarrava e apagava aquilo - “depois o gajo ainda pensa que sou uma merda ou assim“.
Não, um gajo está ali a experimentar, e nós conhecemo-nos bué bem, já sabemos lidar com isso. Como ele pode estar lá e fazer uma cena bué marada e eu chegar depois e dizer “esta não está mas percebo que querias fazer uma coisa mais assim”. Não existe preconceito.


Bruno: Acho que muito provém também da nossa experiência. Nós fomos buscar muito à música africana porque a nossa família esteve na Guiné. Crescemos numa casa com máscaras africanas...


BC: Ainda têm memórias da Guiné?

Leo: Ele não porque ainda estava dentro dos testículos do nosso pai (risos)... mas eu lembro-me... Mas são todas memórias más. Do género, estar no meio do mar, a minha mãe agarrar em mim, eu estar a chorar bué, e estar alguém a tirar uma foto e agora mais adulto, ver aquela foto e ver aquilo que aconteceu. Estive lá até aos 3, 4 anos. Parti lá uma perna também... 


BC: Pensam que se fossem só boas memórias não teriam pegado tanto nesse aspeto mais africano?

Leo: Também não foram só más memórias. Quer dizer, as boas memórias são as que a nossa mãe nos conta quando estamos a almoçar ou assim. O nosso pai também... E também pelo facto de vivermos em Lisboa, e o ambiente africano estar muito presente.

Bruno: Na altura morávamos em Carcavelos, ao pé do Bairro das Marianas, onde havia uma grande comunidade angolana, cabo-verdiana... Era o que tínhamos à nossa volta também.

Leo: E depois chega uma altura em que começas a abraçar aquilo que fez parte da tua vida, da tua vivência... Se calhar a parte mais tropical que nós temos também tem a ver com o facto do nosso pai ser da América Latina, uma cena [em] que se calhar há 20 anos eu estava-me a cagar para aquilo - eu queria era tocar metal e cenas eletrónicas...
Não ligava muito àquilo, depois fomos crescendo e começámos a procurar outros elementos que tenham a ver connosco.



BC : É fácil conciliarem o respeito que têm pela tradição africana com a música eletrónica, símbolo da era moderna? Não existem conflitos entre o respeito pela tradição e a força inabalável da modernidade ?

Leo: Não sei se tem a ver com o respeito. O respeito tem a ver com o seres sincero naquilo que estás a fazer. Ou seja, se nós quiséssemos fazer uma cena para bater, “eh pá, bora fazer uma cena para bater aí”, para aparecer nos tops com o foco de vender aquilo. “Bora arranjar aí um gajo do afro para fazer uma cena”... aí, estávamos a desrespeitar. Agora, mesmo que acabemos por estragar um pouco aquilo, que fique uma grande merda, nós à partida fizemo-lo com a vontade e com o carinho de mostrar que é uma coisa séria e que damos valor àquilo que estamos a fazer... Nesse aspeto, acho que isso é que é o mais importante. 


BC : A vossa viagem ao Quénia também acabou por vos influenciar ?

Leo: Estás a seguir uma determinada direção, e de repente fazes a viagem... ou seja, nos começámos mais com cenas afros, depois adicionámos bué elementos e, às tantas, parece que estávamos a deixar de lado um pouco esse lado africano apesar de estar lá sempre em todas as músicas, mas não tão presente se calhar. 

Bruno: Foi um bocado um regresso...

Leo: Nós estávamos a desviar-nos um pouco disso. 

Bruno: Um regresso à realidade, às origens, no estrangeiro?

Ambos: É verdade... 

Leo: Agora para o próximo álbum vamos usar mais elementos. Mas isso não quer dizer que vamos fazer kuduro ou funaná... Estamos mais a falar dos instrumentos, das linhas, de baixo, de apontamentos de guitarra, de ritmos e de inseri-los ali e tentar fazer outra coisa. Não é kizomba, não é kuduro, não é funaná... mas tem essas influências todas. 

Bruno: São ingredientes.





BC : Quais foram os critérios que determinaram a escolha dos convidados ? Digam-nos mais sobre o Braima Galissá, voz do tema "Ali Dom"?

Leo:  Vivências. Mas acho que o único assim mais pensado...acho que foi Jahcoozi. Os outros todos foram amigos, situações que foram acontecendo. Quando começámos, em 2008, ainda na altura do Myspace, os Jahcoozi eram uma banda que nós adorávamos. E houve uma vez em que fizemos um pedido de amizade, aceitaram e depois metemo-los no top 10... Depois, viram qualquer coisa que nós fizemos lá, e convidaram-nos para fazer um remix...

Bruno: Não, nós fizemos um bootleg. E também estivemos com um dos elementos no Quénia. As coisas acabam por acontecer...

Leo: O Braima é um mestre de cora. Mora em Lisboa, nos Anjos. Nós queríamos ter qualquer coisa relacionada com a Guiné. Conhecemos o Galissá de um concerto onde ele foi tocar na nossa zona, o Festival MUSA, em Carcavelos, um festival mais na onda do reggae, com alguma world music e ele tocou lá com a banda dele, os Bela Nafa. 

Bruno: E depois esteve também no Boom...

Leo: E nós achámos que era fixe termos alguém relacionado mais com a tradição guineense. Mandámos-lhe um e-mail... é mesmo boa onda, bué aberto, boa pessoa.


BC: Como é que receberam o convite para o FUSING ? É uma honra fazer parte do cartaz deste festival ?

Bruno: Ficámos contentes por ser um conceito bastante interessante, diferente de muitos outros. Existe uma interação diferente com quem está no recinto, com atividades como a gastronomia, o desporto, a arte urbana... E depois a aposta nas bandas portuguesas, é bastante positivo. 

Leo: Agora, é importante que quando há esta aposta, que as pessoas também apareçam porque senão depois... Porque quem aposta, depois deixa de apostar... e voltamos ao mesmo. Quando há bandas estrangeiras, tudo bem, quando há cenas só com bandas portuguesas, o pessoal não aparece... Mas da nossa parte, estamos bué agradecidos em estar aqui. 


Mickaël C. de Oliveira




0 comentários:

Enviar um comentário

Twitter Facebook More

 
Powered by Blogger | Printable Coupons