domingo, 30 de março de 2014

PRÍNCIPE DISCOS - ENTREVISTA

Pedro Gomes, Nelson Gomes, José Moura e Márcio Matos são cérebros de valor nacional que se desdobram para pôr todo o Mundo a dançar consignando num selo editorial música que nasce à volta de Lisboa e que redefine criatividade, novidade, ansiedade pela sua antecipação.
Entre publicações como a SPIN, a Wire e a Dazed & Confused e outros media de respeito como o Resident Advisor, o The Fader e o Pitchfork, os ecos sucedem-se, os festivais de todo o Mundo, como o Unsound em que DJ Marfox e DJ Nigga Fox estiveram no passado mês de Outubro ou o Sónar em que estarão representados por Nigga Fox, reagem, mais clubes, mais pessoas, mais lojas especializadas querem saber reconhecer NIAGARA, Blacksea Não Maya e Photonz.
Tal como tantos outros casos de sucesso português no exterior, a Príncipe Discos é um segredo muito bem guardado...em Portugal. Sendo assim, de Portugal para o Mundo, haja orgulho e olhos e ouvidos bem abertos, uma vez por mês no clube lisboeta Musicbox e no final de Abril também no Plano B no Porto. Representemo-nos.



BandCom (BC): Descrevam com uma palavra cada um dos projetos pertencentes à Príncipe Discos.


José Moura/Pedro Gomes (JM/PG): Para todos: Verdade.



BC: Quais são as principais influências dos vossos artistas, de onde vêm, em que medida as origens deles e as suas situações geográficas afetam os seus projetos?


PG: O ideal seria cada um dos nossos artistas responder-te, porque - e sabemo-lo - as influências variam de artista para artista, como é natural que aconteça. Se procurares padrões poder-se-à dizer que (excepção feita aos Niagara e aos Photonz) encontras influências comuns vindas do kuduro, tarraxinha e afrohouse angolanos, e concerteza influência de contágio a nível da produção desta música em território nacional.



 



BC: Em que medida o isolamento com o qual alguns dos vossos músicos tiveram de lidar foi uma força e ao mesmo tempo uma desvantagem para eles ?


PG: É preciso levar esse isolamento a sério mas também clarificá-lo bem e não olhar para ele de forma distorcida e como sendo um isolamento total, porque não é disso que se trata também. Penso que será correcto dizer que uma micro-sociedade quase paralela, como é o caso de vários dos bairros onde alguns destes produtores vivem, por vezes se consegue guiar de maneira mais sã do que a nossa, brutalmente legislada, policiada, gentrificada, governada à toa e sem qualquer verdadeiro respeito pelos seus cidadãos, falando bom português. É uma realidade ainda mais despojada de direitos sociais e vetada a vários tipos de abandono, mas concerteza um sítio gerido de maneira mais natural e sã. O que tem tanto de incrível, como de absurdo, como de normal.



BC: Expliquem-nos a importância de ter uma pessoa como o Tó Pinheiro da Silva na masterização dos vossos projectos.

JM: Desde o início que a ideia da editora é representar a actualidade num contínuo de música produzida em Portugal, com origem também para além do continente, música e tradição essa que respeitamos e na qual nos revemos. O Tó Pinheiro da Silva? Ele esteve presente em mais momentos importantes na música portuguesa dos últimos 40 anos do que qualquer outra pessoa de que nos consigamos lembrar. Criativo, entendedor, versátil e actual.



BC: É inegável que os Buraka Som Sistema expandiram os horizontes da música produzida em Portugal. Estando a música que a Princípe Discos pode oferecer nesta altura com um grau de aceitação favorável no exterior e podendo ser este factor ou não importante na vossa produção, que novas etapas/objectivos estão ainda por atingir?


JM: Editar mais discos e continuar a trabalhar o melhor possível no sentido de viabilizar como opção de vida a produção musical de quem escolhemos para editar e contribuir para a noite mensal no Musicbox, em Lisboa.






BC: Têm participado nalguns festivais estrangeiros e recebido alguns elogios por parte da imprensa estrangeira. Como viveram isso ? Acham que são mais bem recebidos no exterior?

JM: O exterior tem sempre mais impacto porque Portugal termina já ali, a exposição é limitada e a quantidade de oportunidades também. É só isso. De resto, pensamos que a música que editamos é tão exótica no estrangeiro como em Portugal.



BC: Será que ainda continuamos a ignorar mais música do que a que ouvimos e queremos ouvir? Estamos a deixar passar a oportunidade de exportarmos uma espécie de “UK-garage”?

JM: Nós já estamos a exportar e não se chama UK-garage.



BC: O que pensam da relação crescente entre os novos caminhos da música electrónica e a integração nesta de novos ritmos de todo o Mundo?


JM: Nada de errado mas parece cada vez mais fácil identificar quem é genuíno e quem apenas aproveita o que acontece.


BC: Pode “descredibilizar” o vosso trabalho, de uma certa forma, o facto de diferentes músicos e produtores mudarem a orientação do seu trabalho conforme o “hype” substancial de que a música de novas latitudes e ritmos, como a da Príncipe, é exemplo nesta altura?

JM: Acreditamos na música que a Príncipe coloca em disco e seria uma pena ver essa música incrível ser injustamente diluída no meio de qualquer hype. O nosso trabalho só será eventualmente descredibilizado por quem não prestar atenção.



BC: Pensam que a música de origem africana produzida em Portugal é respeitada ou menosprezada quando comparada com outros estilos de eletrónica produzidos também em Portugal?

JM: Nenhuma música electrónica produzida em Portugal é realmente respeitada. Talvez DJ Vibe e alguns que desejam disputar essa descendência. Têm o respeito do seu público, que vale zero fora do seu ambiente. Algo semelhante acontece com a música de origem africana, consumida essencialmente num circuito próprio geralmente desconhecido por quem está de fora. Nesse sentido, o respeito é sempre restrito.



BC: Expliquem-nos o processo ambíguo e sinuoso da produção de música de origem africana em Portugal. Quais são as dificuldades que encontram durante o processo de criação? Como conseguem conciliar o respeito que devem ter pela cultura africana e ao mesmo adaptar a vossa música a um público tanto “afro-europeu” como “caucasiano”?

PG: Terias que falar com os produtores individualmente sobre esses assuntos, já que não somos nós que fazemos a música maravilhosa de que estás a falar. Sobre dimensões de sinuosidade e de ambiguidade tenho dúvidas - a música sai limpa e directa da fonte, nada de sinuoso ou ambíguo aí. Sobre as conciliações de que falas penso que é uma questão que realmente não se chega a colocar - os produtores com quem trabalhamos sabem que estamos interessados em dar estrutura e escala à música que eles fazem e da qual mais se orgulham, tal como ela é, vinda de onde vem.






BC: Há ainda hoje quem considere que o rap crioulo feito em Portugal não pertence ao hip-hop português. No entanto, todos os anos, vão aparecendo alguns filmes portugueses onde a língua principal, ou grande parte delas, é o crioulo, e nunca ninguém irá dizer que esses filmes não são portugueses. E no mundo da eletrónica?

JM: São pessoas que vivem cá, na maioria dos casos nasceram cá, o que deixa muito pouca margem para aceitarmos que não sejam portugueses.



BC: Quais são os vossos projetos para 2014 ?

JM: Editar vários discos físicos; continuar a projetar fora de Portugal os produtores e DJs que trabalham connosco.

Mickaël C. de Oliveira





0 comentários:

Enviar um comentário

Twitter Facebook More

 
Powered by Blogger | Printable Coupons